quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Dever de Informação do Consumidor Consciente

O texto abaixo ("Carne de Vitela) circula pela internet como autoria da Profª Maria de Lourdes Pereira Dias, da Universidade Federal da Santa Catarina.
Acredita-se que num futuro próximo os consumidores adotarão comportamentos de consumo mais conscientes, exigindo não só informações sobre as características e qualidades do produto, mas também sobre todo o seu processo de produção. Dominando todas as informações acerca da origem dos produtos que adquirem, os consumidores poderão optar por aqueles cuja produção geram os menores impactos ambientais e sociais.
Alguns valores adotados e preservados pela sociedade brasileira costumam ser duramente violados durante a fabricação de diversos produtos distribuídos no país. O texto trazido nesta edição trata de um produto rotulado por seu distinto sabor, e consumido por aqueles que buscam sofisticação nos seus atos de consumo. Mas a sua produção se faz pela intensa dor e terríveis maus tratos a jovens bezerros. Essas informações, sobre os meios de produção da carne de vitela e do baby beef, não serão vistas na publicidade desses produtos porque o seu conhecimento por parte da sociedade de consumo seguramente geraria imenso desgosto aos seus mais refinados consumidores.
A produção desse tipo de carne não combina com os valores de preservação ambiental e de piedade aos seres vivos, inerentes à grande maioria dos brasileiros, povo formado por uma duradoura cultura de boas relações com a natureza.



"Carne de vitela

A carne de vitela é muito apreciada por ser tenra, clara e macia...
Mas, o que pouca gente sabe é que o alimento vem de muito sofrimento do bezerro macho, que desde o primeiro dia de vida é afastado da mãe e trancado num compartimento sem espaço para se movimentar.

Esse procedimento é para que o filhote não crie músculos e a carne se mantenha macia. Baby beef é o termo que designa a carne de filhotes ainda não desmamados.

O mercado de vitelas nasceu com o subproduto da indústria de laticínios que não aproveitava grande parte dos bezerros nascidos das vacas leiteiras. Veja como é obtido esse 'produto': assim que os filhotes nascem, são separados de suas mães, que permanecem por semanas mugindo por suas crias.
Após serem removidos, os filhotes são confinados em estábulos com dimensões reduzidíssimas onde permanecerão por meses em sistema de ganho de peso alimentação que consiste de substituto do leite materno.
Um dos principais métodos de obtenção de carne branca e macia, além da imobilização total do animal para que não crie músculos, é a retirada do mineral ferro da sua alimentação tornando-o anêmico e fornecendo o mineral somente na quantidade necessária para que não morra até o abate.
A falta de ferro é tão sentida pelos animais, que nada no estábulo pode ser feito de metal ferruginoso, pois eles entram em desespero para lamber esse tipo de material.
Embora sejam animais com aversão natural à sujeira, a falta do mineral faz com que muitos comam seus próprios excrementos em busca de resíduos desse mineral.
Alguns produtores contornam esse problema colocando os filhotes sobre um ripado de madeira, onde os excrementos possam cair num piso de concreto ao qual os animais não tenham acesso.
A alimentação fornecida é líquida e altamente calórica, para que a maciez da carne seja mantida e os animais engordem rapidamente.
Para que sejam forçados a comer o máximo possível, nenhuma outra fonte de líquido é fornecida, fazendo com que comam mesmo quando têm apenas sede.
Com o uso dessas técnicas, verificou-se que muitos filhotes entravam em desespero, criando úlceras pela sua agitação e descontrole no espaço reduzido.
Uma solução foi encontrada pelos produtores: a ausência de luz; a manutenção dos animais em completa escuridão durante 22 horas do dia, acendendo-se a luz somente nos momentos de manutenção do estábulo.
No processo de confinamento, os filhotes ficam completamente imobilizados, podendo apenas mexer a cabeça para comer e agachar, sem poderem sequer se deitar. Os bezerros são abatidos com mais ou menos 4 meses de vida de uma vida de reclusão e sofrimento, sem nunca terem conhecido a luz do sol.
E as pessoas comem e apreciam esse tipo de carne sem terem idéia de como é produzida.
A criação de vitelas é conhecida como um dos mais imorais e repulsivos mercados de animais no mundo todo.
Como não há no Brasil lei específica que proíba essa prática - como na Europa - o jeito é conscientizar as pessoas sobre a questão.
Nossa arma é a informação!
Se souber o que está comendo, a sociedade, que não mais tolera violências, vai mudar seus hábitos.

Podemos evitar todo esse sofrimento não comendo carne de vitela ou baby-beef repudiando os restaurantes que a servem.
O consumidor (assim como o eleitor) tem força e deve usar esse poder escolhendo produtos, serviços e empresas que não tragam embutido o sofrimento de animais."

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A Crise da Escola Particular

A notícia sobre o recém-criado cadastro de inadimplentes das instituições de ensino surge com grande polêmica na sociedade, e acompanhada de interessantes debates promovidos pela imprensa nacional. De um lado, os empresários do ramo educacional defendem a necessidade de se preservar um mínimo de segurança contra o risco da inadimplência. De outro, as associações de pais de alunos e os órgãos de defesa do consumidor consideram que o cadastro é um constrangimento ilegal aos devedores. Estamos diante de um acirrado conflito entre os interesses econômicos da atividade educacional privada e os interesses individuais de dignidade dos consumidores.

Para se posicionar neste debate é importante que o leitor conheça, além das duas realidades em confronto, os direitos em jogo. A existência dos cadastros de informações negativas de consumidores é permitida pelo Código de Defesa do Consumidor. A sua criação no Brasil serve para proteger uma economia em que o crédito representa cada vez mais o acesso ao consumo e para o desenvolvimento econômico do país. Seu objetivo é prevenir o fornecedor de crédito contra os consumidores com potencial para se tornar inadimplentes. Obrigar empresários a conceder crédito ou vender a prazo sem permitir que ele conheça o histórico do consumidor é empurrar a economia na crise mundial.

Entretanto, os cadastros de inadimplência, ao invés de serem utilizados como forma de prevenção, são utilizados como forma de coagir os inadimplentes a quitarem suas dívidas. A idéia é: “enquanto você não pagar o que me deve, não vai conseguir comprar em lugar nenhum”. E a vida de consumo do inadimplente se torna insuportável, impraticável e indigna.

Instituições de ensino estão proibidas por lei a tomar qualquer atitude pedagógica ou administrativa que constranja o aluno, e impeça ou prejudique o seu rendimento escolar. A única medida permitida à escola é se recusar a rematricular o aluno inadimplente no próximo ano letivo. Como é proibido reter o histórico escolar do inadimplente, se a escola se recusar aceitá-lo para o próximo ano, o aluno, ou seu responsável, pode se transferir para outra escola particular. Muitos são os alunos e pais que preferem procurar outra escola particular, ao invés de quitar a dívida. Esse débito provavelmente será cobrado em uma desgastante ação judicial ou recuperado mediante longas negociações, medidas nem sempre interessantes para a escola.

Esta é a razão pela qual a inadimplência nas escolas é mais alta do que em outros mercados de prestação de serviços. Impedir que a escola verifique o comportamento financeiro do aluno ou do seu responsável na escola anterior é colocar em cheque o serviço educacional privado. É afirmar que a iniciativa privada deve assumir os prejuízos da falência da educação pública sem qualquer garantia de segurança econômica, sem isenção de impostos e com altas obrigações trabalhistas. Essa foi a razão pela qual várias pequenas escolas tradicionais encerraram suas atividades no país nos últimos anos. Para elas se tornou impossível conviver com a inadimplência e com as rígidas obrigações tributárias. Se não houvesse escolas públicas a disposição de todos, a recusa justificada por uma escola em receber aluno inadimplente caracterizaria abuso contras os consumidores.

O fato de a escola pública ser pior do que a particular não é argumento para que esta última assuma todos os riscos da inadimplência. É melhor porque é remunerada pelos consumidores. E o fato dela lucrar não indica que ela deva assumir toda a obrigação do Estado. Ela deve lucrar para gerar recursos à sociedade capitalista. Por que ao invés de o Estado realmente aplicar os altos valores arrecadados em impostos para a educação em escolas com ensino de qualidade, transfere toda a sua obrigação para o ensino privado e impede que o empresário se previna para manter sua escola aberta?

Igor Britto
Professor de Direito do Consumidor
Pesquisador em Sociologia do Consumo

Teoria das Filas de Bancos

Os matemáticos comprovam: qualquer fila de banco, supermercado ou de serviços públicos obedece a teorias de probabilidade que levam em consideração o processo de chegada dos usuários, a distribuição do tempo de serviço, o número de usuários, a disciplina de atendimento e quantidade de atendentes. Ou seja, entre outras razões, quanto maior o número de usuários e menor o número de atendentes, maior será a fila e a quantidade de tempo que os indivíduos terão que esperar. Diversas são as leis matemáticas que confirmam isso: “lei de Little”, “lei do fluxo forçado” e “lei da demanda de serviço”.

Mesmo sem conhecimentos profundos das ciências físicas e matemáticas, qualquer consumidor brasileiro domina com vasta experiência prática todas essas teorias. Basta precisar ser atendido por um caixa personalizado de qualquer agência bancária do país. O tempo de espera é suficiente para refletir sobre todas as variáveis dessa equação. Além de desafiar as leis matemáticas, as instituições financeiras insistem em desafiar as leis jurídicas. Desde 2000 nenhum consumidor do Espírito Santo pode ser obrigado a esperar mais de 10 minutos em filas de bancos. De qualquer forma, todas as instituições financeiras deste Estado são obrigadas a instalar assentos adequados para que os consumidores aguardem sentados. Quem descumprir essa regra deverá indenizar os consumidores. É o que determina a Lei Estadual 6226, que nunca foi colocada em prática. Além dela, diversas leis municipais limitam o tempo de atendimento dos caixas de bancos em municípios do mesmo Estado, como Vitória, Serra, Cariacica (todas em 15 minutos), Vila Velha (20 minutos) e outros, com maior tolerância em vésperas de feriados ou em dias de pagamento de salários e vencimento de tributos. Para que os bancos consigam respeitar essas regras, basta cumprirem a risca as mais básicas teorias matemáticas: manter um bom número de atendentes e investir em processos rápidos e organizados de atendimento. Ao invés disso, cada vez mais os bancos diminuem os investimentos em recursos humanos e em programas de atendimento personalizado, mantendo as filas longas e desconfortáveis.

Os investimentos na tecnologia dos caixas automáticos ainda não resolveram esse problema. Para dificultar a situação dos consumidores, tem sido difícil (para não dizer impossível) um consumidor provar o tempo que permaneceu em uma fila de banco. Também é difícil para os Procons manterem fiscalização diária sob os bancos.

Itumbiara, um pequeno município de Goiás com 80 mil habitantes, resolveu essa equação. Por lei municipal, obrigou todas as agências bancárias instaladas no município a adquirirem máquinas que emitem senhas automaticamente. Cada máquina custa quinhentos reais ao Banco, e informa a hora da chegada do consumidor. Algumas agências do nosso Estado já utilizam modelos similares. Além disso, a lei de Itumbiara obriga todo atendente a carimbar, assinar e escrever na senha do consumidor a hora em que ele foi atendido. Com esse documento, o consumidor consegue provar quanto tempo esperou pelo atendimento e denunciar, se for o caso, a demora ao Procon e exigir na Justiça indenização estabelecida na lei. Todas as agências daquele Município se adequaram e não é mais necessário fiscalizar o cumprimento da lei. Senhores Deputados e futuros Vereadores do Espírito Santo, por favor, visitem a pequena Itumbiara em Goiás.


Igor Britto
Professor de Direito do Consumidor
Pesquisador em Sociologia do Consumo

Peça ao Papai e à Mamãe


Há alguns anos uma empresa fabricante de bicicletas lançou uma campanha de publicidade com o slogan “não esqueça a minha bicicleta”. Criou um personagem de desenho animado com o qual as crianças se identificassem. O personagem, uma criança de aparentemente 8 anos, espalhava pela casa inteira bilhetes com o slogan da campanha para que seus pais os encontrassem. Nas semanas seguintes crianças de todo Brasil pediam insistentemente que os pais comprassem uma bicicleta, imitando a estratégia do personagem da publicidade.

Os pais, no ímpeto de atender seus filhos, compram tudo o que parece ser o desejo deles. Não imaginam como é fácil criar desejos nas jovens mentes. Quando seus filhos pedem determinado brinquedo podem estar apenas repetindo o que a publicidade mandou.

A criança é crédula, acredita em tudo e repete tudo. Assim, anunciantes utilizam técnicas que se favorecem da sua inocência, ingenuidade e credulidade. As crianças são vulneráveis à publicidade porque não têm formada ainda uma mentalidade crítica e nem a capacidade de discernir a verdadeira mensagem que a publicidade está transmitindo. Elas têm em casa um alto poder de persuasão sobre os pais. Ao confundir e impedi-las de distinguir a sua real necessidade do seu desejo, a publicidade favorece o consumismo desenfreado, ocupando a mente da criança com preocupações visivelmente desnecessárias. A preocupação em “ter” substitui qualquer outro interesse. Celebridades que associam seus nomes e imagens a produtos infantis contribuem para que as crianças entendam que somente serão mais talentosas e importantes como seus ídolos se possuírem os produtos que anunciam.

Muitos países já perceberam a lesão causada pela publicidade às crianças e adotaram rígido controle das campanhas dessas publicidades. Na Suécia é proibida qualquer publicidade destinada a crianças. Em outros países não se permite anúncios publicitários durante programas de público infantil. Na Austrália a propaganda não deve convencer que uma criança é menos importante ou saudável que a outra por ela não usar o produto anunciado. Assim como na Austrália, na Inglaterra e nos Estados Unidos expressões como “apenas” ou “somente” foram banidas das publicidades infantis para não confundir os menores sobre o preço. Nesses países, os publicitários são amplamente punidos se utilizam expressões como “peça a mamãe” ou “peça ao papai”.

Está comprovado que essas campanhas geram conflitos familiares intensos: filhos pedindo insistentemente algo que seus pais não podem ou não querem dar e pais que perdem a paciência com os filhos “pidões”. Toda criança tem o direito e a necessidade de brincar. O brinquedo deve ser apenas o instrumento disso. Mas crianças são facilmente convencidas de que elas precisam daquele brinquedo para ser felizes. Manipular a jovens mentes nesse sentido é algo cruel. E nós permitimos diariamente que nossas crianças estejam submetidas a essa crueldade.

Igor Britto
Professor de Direito do Consumidor
Pesquisador em Sociologia do Consumo