sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A Crise da Escola Particular

A notícia sobre o recém-criado cadastro de inadimplentes das instituições de ensino surge com grande polêmica na sociedade, e acompanhada de interessantes debates promovidos pela imprensa nacional. De um lado, os empresários do ramo educacional defendem a necessidade de se preservar um mínimo de segurança contra o risco da inadimplência. De outro, as associações de pais de alunos e os órgãos de defesa do consumidor consideram que o cadastro é um constrangimento ilegal aos devedores. Estamos diante de um acirrado conflito entre os interesses econômicos da atividade educacional privada e os interesses individuais de dignidade dos consumidores.

Para se posicionar neste debate é importante que o leitor conheça, além das duas realidades em confronto, os direitos em jogo. A existência dos cadastros de informações negativas de consumidores é permitida pelo Código de Defesa do Consumidor. A sua criação no Brasil serve para proteger uma economia em que o crédito representa cada vez mais o acesso ao consumo e para o desenvolvimento econômico do país. Seu objetivo é prevenir o fornecedor de crédito contra os consumidores com potencial para se tornar inadimplentes. Obrigar empresários a conceder crédito ou vender a prazo sem permitir que ele conheça o histórico do consumidor é empurrar a economia na crise mundial.

Entretanto, os cadastros de inadimplência, ao invés de serem utilizados como forma de prevenção, são utilizados como forma de coagir os inadimplentes a quitarem suas dívidas. A idéia é: “enquanto você não pagar o que me deve, não vai conseguir comprar em lugar nenhum”. E a vida de consumo do inadimplente se torna insuportável, impraticável e indigna.

Instituições de ensino estão proibidas por lei a tomar qualquer atitude pedagógica ou administrativa que constranja o aluno, e impeça ou prejudique o seu rendimento escolar. A única medida permitida à escola é se recusar a rematricular o aluno inadimplente no próximo ano letivo. Como é proibido reter o histórico escolar do inadimplente, se a escola se recusar aceitá-lo para o próximo ano, o aluno, ou seu responsável, pode se transferir para outra escola particular. Muitos são os alunos e pais que preferem procurar outra escola particular, ao invés de quitar a dívida. Esse débito provavelmente será cobrado em uma desgastante ação judicial ou recuperado mediante longas negociações, medidas nem sempre interessantes para a escola.

Esta é a razão pela qual a inadimplência nas escolas é mais alta do que em outros mercados de prestação de serviços. Impedir que a escola verifique o comportamento financeiro do aluno ou do seu responsável na escola anterior é colocar em cheque o serviço educacional privado. É afirmar que a iniciativa privada deve assumir os prejuízos da falência da educação pública sem qualquer garantia de segurança econômica, sem isenção de impostos e com altas obrigações trabalhistas. Essa foi a razão pela qual várias pequenas escolas tradicionais encerraram suas atividades no país nos últimos anos. Para elas se tornou impossível conviver com a inadimplência e com as rígidas obrigações tributárias. Se não houvesse escolas públicas a disposição de todos, a recusa justificada por uma escola em receber aluno inadimplente caracterizaria abuso contras os consumidores.

O fato de a escola pública ser pior do que a particular não é argumento para que esta última assuma todos os riscos da inadimplência. É melhor porque é remunerada pelos consumidores. E o fato dela lucrar não indica que ela deva assumir toda a obrigação do Estado. Ela deve lucrar para gerar recursos à sociedade capitalista. Por que ao invés de o Estado realmente aplicar os altos valores arrecadados em impostos para a educação em escolas com ensino de qualidade, transfere toda a sua obrigação para o ensino privado e impede que o empresário se previna para manter sua escola aberta?

Igor Britto
Professor de Direito do Consumidor
Pesquisador em Sociologia do Consumo

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